O boom das cooperativas de crédito no Brasil

Segmento poderia se tornar a segunda maior rede de atendimento do País.

O fortalecimento da economia nacional ao longo da última década veio acompanhado de uma forte expansão do crédito às empresas e aos consumidores. Embora esse movimento tenha beneficiado, principalmente, os grandes bancos, um dos segmentos que mais aproveitou o bom momento foi o de cooperativas de crédito.

Apenas em 2010, o setor, que conta com 1.370 cooperativas em todo o Brasil, atingiu um incremento de 60% em seus ativos em comparação com os resultados de 2009. Isso significou um desempenho recorde de R$ 13,2 bilhões, levando o total dos ativos do segmento a alcançar R$ 66 bilhões.

Com 4,85 milhões de associados, o Brasil conta com 4% da população economicamente ativa (PEA) ligada à uma cooperativa de crédito, segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Os depósitos recebidos em 2010 demonstram a elevada confiança que o segmento vem recebendo de seus associados, totalizando uma captação recorde de depósitos. Foram R$ 7,7 bilhões, 130% a mais do que em 2009, que já havia sido o melhor ano da história do setor. Com esse resultado, o segmento acumula R$ 29,9 bilhões de depósitos.

As operações de crédito também apresentaram bom desempenho, porém não acompanharam os mesmos percentuais dos depósitos e ativos. A carteira de empréstimos chegou a R$ 29,8 bilhões em dezembro de 2010, apresentando um crescimento de R$ 4,6 bilhões, o segundo maior da história do segmento, perdendo apenas para o ano de 2008. Isto porque, em razão da crise mundial, as cooperativas de crédito atuaram fortemente na concessão de crédito (quando da retração de mercado de boa parte das instituições financeiras convencionais no pior período da crise), tendo apresentado naquele ano um incremento de R$ 5,9 bilhões.

Já na evolução patrimonial, 2010 registrou o segundo melhor resultado, com R$ 1,8 bilhão. Em 2009 o aumento foi de R$ 2 bilhões. Com esse resultado, o cooperativismo de crédito brasileiro apresentou um total de patrimônio de R$ 13,1 bilhões no ano passado.

Os resultados positivos não se verificaram apenas no balanço financeiro, mas também na expansão do sistema. Em 2010, houve uma acentuada evolução nos postos de atendimento avançados (pequenas filiais com estrutura enxuta) saindo de 2.914 em dezembro do ano anterior para 3.159 doze meses depois, uma média de 20,4 novos pontos por mês. "Isso foi praticamente um ponto de atendimento por dia útil", lembra Silvio Giusti, gerente de Relacionamento em Desenvolvimento do Cooperativismo de Crédito da OCB.

No entanto, a exemplo do sistema financeiro tradicional, esse crescimento também gerou a necessidade de melhorar as condições do segmento para enfrentar a competição com os bancos. Com isso, diversas cooperativas passaram por um processo de fusão.

Em dezembro de 2010, havia 1.370 cooperativas, uma redução de 35 em comparação com o mesmo mês de 2009. "Há um processo de aglutinação e consolidação das bases, principalmente entre aquelas que atuam em áreas geográficas próximas, a fim de se fortalecer de modo a aumentar sua capacidade de escala", explica o gerente da OCB.

Somando cooperativas e postos avançados, o cooperativismo de crédito nacional atingiu a marca de 4.529 pontos de atendimento em 2010. Hoje, se o segmento compartilhasse suas estruturas, seria a segunda maior rede de atendimento do País, atrás apenas do Banco do Brasil (5.087) e na frente do Itaú (3.739).

Segundo Giusti, os bons resultados do setor apontam que os números podem apresentar maiores elevações no futuro. Atualmente, as cooperativas de crédito participam apenas de 2,5% do sistema financeiro nacional, enquanto em países europeus, como França, Holanda e Alemanha, a média gira em torno de 20% a 30%. "Isso mostra que temos um grande potencial a desenvolver, mas é preciso que a sociedade conheça mais as oportunidades do sistema", afirma.

Rio Grande do Sul é o estado onde o sistema é mais forte

Pioneiro no cooperativismo de crédito no País, o Rio Grande do Sul é o estado brasileiro que possui a maior parte da população ligada ao segmento. Cerca de 1,2 milhão de gaúchos (17,3% da população economicamente ativa) são associados a uma cooperativa de crédito.

Em relação à cobertura territorial, dos 496 municípios do Estado, 439 possuem pontos de atendimento de cooperativas de crédito (89%). Apenas Santa Catarina (com 88% de seus 293 municípios) tem um índice maior que o Rio Grande do Sul.

A importância do setor deve-se, principalmente, à história da colonização do Estado, onde os pequenos produtores importaram modelos associativistas europeus para resolver as dificuldades de obter financiamentos junto aos bancos tradicionais. "O mundo cooperativo na Europa não nasceu da agricultura, mas do crédito.

As primeiras cooperativas surgiram como um meio de alavancar recursos para pequenos agricultores e empresários", explica Vergílio Périus, presidente da Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul (Ocergs). No total, o Estado possui 18 cooperativas de crédito, que representam cerca de 10% do sistema financeiro gaúcho.

Mudanças na legislação devem influenciar crescimento

De acordo com a OCB, em 2011, a expectativa do setor é de no mínimo repetir a média de crescimento dos últimos cinco anos, que foi de 25%. Um dos fatores que deve contribuir para alcançar esse resultado são as mudanças estabelecidas em maio do ano passado, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), nas normas relativas à constituição e funcionamento das cooperativas de crédito.

Com as alterações, passou a ser possível a constituição de cooperativas de livre admissão em áreas com mais de 2 milhões de habitantes, o que era proibido. O capital inicial para cooperativas de crédito de livre admissão é de R$ 25 milhões.

Foi aberta também a possibilidade de formação de cooperativas por vínculos decorrentes da participação em cadeias de negócios ou grupos sociais. Pelas regras em vigor anteriormente, só era admitida a criação de cooperativas de crédito por vínculos trabalhistas ou profissionais.

A nova regulamentação determina que as cooperativas adotem política própria de governança corporativa. As cooperativas de maior heterogeneidade (livre admissão, empresários, pequenos e microempresários e microeemprededores, por exemplo) terão que promover a segregação entre o conselho e a diretoria executiva da entidade. Além disso, abre-se, com a nova regulamentação, a possibilidade de criação de confederações de crédito. As confederações poderão exercer atribuições semelhantes às das centrais de crédito.

Sicredi ultrapassou as fronteiras do Estado

Com 1,75 milhão de associados em todo o País e administrando um total de recursos de R$ 21 milhões, o Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo) é o maior caso de sucesso na história do cooperativismo gaúcho. Fundada nos anos 1980, a partir da união de diversas cooperativas de crédito rural do Interior do Estado, a instituição espalhou-se por outros estados, acompanhando as migrações de produtores gaúchos para o Centro-Oeste e Norte do País. Hoje, o sistema compreende 120 cooperativas singulares, 5 cooperativas centrais, a holding Sicredi Participações (SicrediPar), bem como as empresas e entidades por esta controladas, entre elas o Banco Cooperativo Sicredi, que teve um lucro líquido de R$ 33,1 milhões em 2010.

Segundo Orlando Müller, presidente da Central Sicredi Sul, o crescimento da instituição só foi possível com a atitude implementada, a partir do final da década de 1990, de buscar associados no meio urbano. "Não existe sistema cooperativo no mundo que seja alicerçado num só setor da economia, porque ele concentra riscos e tem problemas de sustentabilidade", explica.

Atualmente, o Sicredi expandiu suas atividades para muito além do crédito rural. A instituição oferece financiamentos para diversas finalidades, desde aquisição de veículos a compra de material escolar e de pacotes turísticos. Para empresas, são ofertados serviços de antecipação de créditos do Bndes, capital de giro, antecipação dos recebimentos de vendas a prazo e até mesmo operações de câmbio para exportação e importação.

A importância do Sicredi chegou a ser notada por instituições internacionais. Em 2010, a Rabo Financial Institutions Development, braço de desenvolvimento do grupo financeiro holandês Rabobank, adquiriu participação acionária de 30% no Banco Cooperativo Sicredi. A parceria deve proporcionar o intercâmbio de informações e conhecimento. Além de ampliar o portfólio de produtos do Sicredi nos segmentos onde o Rabobank tem expertise, entre eles, o financiamento agrícola.

Os planos de crescimento também estão voltados para a atuação em seu estado de origem. Atualmente, dos 496 municípios gaúchos, apenas 61 não possuem um ponto de atendimento do Sicredi. De acordo com Müller, em quatro anos a instituição pretende alcançar todas as cidades gaúchas.

Pequenos empresários investem na Coopesa

Em Porto Alegre, pequenos e microempresários já notaram as oportunidades que o associativismo pode trazer para seus investimentos. Em fevereiro de 2003, foi constituída na Capital gaúcha a Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Pequenos e Microempresários e Microempreendedores da Região Metropolitana de Porto Alegre (Coopesa). Inicialmente com 30 associados do setor de pequenos supermercadistas e atacadistas, hoje a instituição possui 1.860 sócios que atuam em diversos segmentos.

Para os empresários associados, uma das principais vantagens da integração são as menores taxas de juros oferecidas. "Temos condições de oferecer cheque especial a 3,2% ao mês, enquanto no mercado os juros praticados são geralmente de 7% a 9%", informa Dagoberto Machado, presidente da Coopesa. Segundo o dirigente, essas vantagens contribuem não apenas para a manutenção de pequenas empresas, mas também para o fomento de novos negócios e mesmo de outras cooperativas. "No sistema financeiro tradicional, é mais difícil se obter taxas menores e crédito desburocratizado", afirma.

Em 2010, a cooperativa movimentou R$ 30 milhões, contando com apenas uma agência, localizada na Ceasa de Porto Alegre. Se inicialmente a instituição atendia apenas supermercados, hoje as atividades evoluíram para outras áreas. "Nós possibilitamos inclusive a criação de uma cooperativa-indústria, a Coopermax, que vai se iniciar em abril, produzindo pães de sanduíche, bisnagas e pães integrais", lembra Machado. Também é prevista para 2011 a abertura de uma nova agência na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Cresol mantém ligação com agricultura familiar

O costume dos produtores gaúchos em utilizar sistemas de crédito rural também atraiu cooperativas que nasceram fora do Estado. Fundado em 1993, no oeste catarinenese, o Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol) entrou no Rio Grande do Sul em 1998, criando unidades em Constantina, Erechim, Jacutinga, São Valentim e Centenário.

Hoje, com 54 mil associados, o sistema é integrado por 27 cooperativas singulares e 54 unidades de atendimento em território gaúcho. "Atuamos mais em municípios de porte médio e pequeno, onde há um baixo número de agentes financeiros", explica Cláudio Risson, diretor operacional e de crédito da Cresol.

Em 2010, a instituição captou R$ 152,9 milhões no Estado e ofertou R$ 511,9 milhões de sua carteira de crédito, principalmente em operações do Pronaf e financiamento de programas habitacionais no meio rural. "Somos um
agente financeiro do Bndes, que é um parceiro importante, e operamos conjuntamente em linhas do Banco do Brasil", comenta Risson.

Segundo o diretor, o crescimento faz com que surjam novos desafios a serem enfrentados, como a alavancagem de recursos, aquisição de tecnologia e expansão em novas regiões. No entanto, a instituição tem o cuidado de não perder suas ligações com o meio rural. "Temos um compromisso com a agricultura familiar, sabemos o que ela representa economica e culturalmente, e queremos ser a instituição financeira que representa melhor o pequeno produtor do Sul do Brasil", afirma.


Fonte: Marcelo Beledeli - MAURO SCHAEFER/ARQUIVO JC
Veículo: Jornal do Comércio - Rio Grande do Sul
Publicado em: 28/03/2011